segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

ARQUITETURA POR ARIANO SUASSUNA



Minha querida amiga Ana Mariane, que tem um trabalho que eu acho importantíssimo, fez uma documentação das fachadas das casas populares brasileiras e isso me ajudou muito. Olha, eu briguei muito com os arquitetos nos anos 60 e 70. Eu comecei um artigo uma vez assim "A arquitetura brasileira contemporânea nem é arquitetura nem é contemporânea - porque está copiando a arquitetura européia de 20 anos atrás e nem é brasileira. Não é arquitetura porque faz uns lugares incômodos pra gente morar. É desumano. Eu tenho um amigo que foi morar em Brasília. Os arquitetos desenhavam uma casa e o camarada que se virasse pra morar lá. Pois bem, a mulher dele andava na casa sem roupa e ele ficava com a toalha na frente, assim. Isso é uma coisa incômoda. E outra coisa que me incomoda é que a arquitetura não tem cor. A primeira vez que fui a Brasília, a impressão que tive foi que fizeram um susto a essa cidade. Ela empalideceu. E nunca mais se recuperou, não é? Enquanto eu via a arquitetura barroca dos séculos 17 e 18, uma beleza de cor com os azulejos e cerâmicas e esculturas em pedra, uma riqueza. Agora vem esses caixões. As casas parecem posto de gasolina. Quer coisa mais desumana no mundo do que um posto de gasolina? Principalmente para gente morar.
Os arquitetos brasileiros, numa terra como Brasil, estão dando uma importância enorme ao vidro. Isso é porque Le Corbisier, que era suíço, botava vidro. Isso porque lá quando aparece um raio de sol é festejado. Aqui, o vidro pára o vento e passa o sol, não é? Pois bem, Ana, mostrou a cor na arquitetura popular. Como o povo brasileiro tem coragem da cor. Aí um dia chegou um jovem arquiteto lá em casa e disse" Ariano, me diga uma coisa, você quer que a casa seja um papagaio?" Eu não tô querendo que a casa seja um papagaio, mas se a opção for entre mausoléu e papagaio eu quero papagaio. Pelo menos fala, não é verdade? Ana fotografou as casas populares e me deu coragem de continuar a procurar uma arte que expresse o nosso país e o nosso povo. Eu achava que a arquitetura não estava expressando o nosso país e o nosso povo. Essa era a mesma preocupação que eu tinha quando comecei a escrever. Eu não queria copiar o teatro alemão, o francês, o americano. Eu queria fazer um teatro que expressasse o meu país e meu povo. Eu queria fazer uma poesia ligada a poesia que meu povo faz, um romance ligado a esse teatro e a essa poesia. E isso não é fingimento. Houve tempo até que eu era criticado. Dizem que eu sou ultrapassado arcaico, que isso é nacionalismo estreito. Pois se é, eu vou em frente. Eu não vou fazer concessões somente porque se eu mantiver minha posição com sinceridade, meus atos e minhas palavras serão considerados ultrapassados. Entra por um ouvido e sai pelo outro. Se a gente estiver certo, a gente não é ultrapassado não. Isso é coisa dos meios de comunicação que com uma semana já tá velho. Mas se a pessoa fizer uma boa obra, aí fica. Pode até não ser compreendida em sua dimensão na época. Mas se ela for boa ela fica e vai ser contemporânea eterna de todas as gerações Ela só é ultrapassada se ela for ruim. Quando Cervantes escreveu Dom Quixote, era um romance de vanguarda. Ele escreveu no século 17. No século 18 ainda era de vanguarda , no 19, 20 e 21 também.

ARIANO SUASSUNA